Estudo traz evidências de que vírus SARS CoV-2 surgiu a partir dos processos naturais de evolução dos seres vivos
Por Júlio Bernardes
Editorias: Ciências
Quando a epidemia de covid-19 começou a avançar pelo mundo, surgiu uma
grande controvérsia sobre a origem do vírus SARS CoV-2, que provoca a
doença.
Houve até quem dissesse que o vírus foi manipulado ou mesmo fabricado em laboratório.
No entanto, um estudo de pesquisadores dos Estados Unidos, Escócia e
Austrália, descrito em carta publicada na revista Nature Medicine, em 17
de março, traz evidências de que o SARS CoV-2 surgiu a partir dos
processos naturais de evolução dos seres vivos.
O texto aponta
mutações no genoma do vírus que o tornam mais infeccioso em seres
humanos e que surgem aleatoriamente durante sua replicação.
Essas mudanças são imperfeitas, o que torna improvável a hipótese de terem sido produzidas pelo homem.
“Os vírus têm genomas que não são muito grandes, então é possível
sequenciá-los por inteiro de maneira bastante confiável, e estabelecer
comparações entre as diversas sequências”, comenta o professor Daniel
Lahr, do Departamento de Zoologia do Instituto de Biociências (IB) da
USP.
Ele não participou do estudo mas comentou o artigo a pedido do Jornal da USP.
“O vírus SARS CoV-2, causador da covid-19, tem um genoma com cerca de
30 mil pares de bases, enquanto o genoma humano tem aproximadamente 3
bilhões de pares de bases e a bactéria Escherichia coli, cujo uso é
muito comum em experimentos laboratoriais, tem de 4 a 5 milhões de pares
de bases.”
Bases são as unidades moleculares que formam o DNA, dispostas em duplas na estrutura do código genético.
O professor relata que o estudo identificou uma mutação no genoma do
SARS CoV-2 relacionada com a produção da proteína SPIKE, que ajuda o
vírus a aderir à superfície das células e introduzir-se nelas para se
replicar.
“Em seres humanos, a proteína se liga a um receptor
conhecido como ACE2, presente nas células do pulmão, que são invadidas
de forma muito intensa, provocando a doença”, descreve.
“Como essa ligação, apesar de eficiente, não é perfeita, é pouco provável que a mutação tenha sido produzida em laboratório.”
Embora a mutação descrita no trabalho seja parecida com a encontrada no
genoma de vírus presentes no pangolim (um mamífero aparentado com o
tatu), Lahr aponta que é preciso analisar um maior número de amostras
recolhidas de animais para determinar com precisão a origem do SARS
CoV-2.
“A publicação demonstra a importância de entender a
trajetória evolutiva do vírus para, juntamente com estudos bioquímicos
sobre sua introdução nas células, criar futuras estratégias de prevenção
e tratamento da covid-19”, destaca.
“As vacinas contra a gripe,
por exemplo, são produzidas anualmente a partir da coleta de amostras e
da identificação das variedades de vírus mais infecciosas.”
Mais informações: e-mail dlahr@ib.usp.br, com Daniel Lahr
Jornal da USP