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sábado, 8 de agosto de 2020

MÃE PERDE GUARDA DA FILHA DE 12 ANOS APÓS RITUAL DE CANDOMBLÉ

No interior de São Paulo, Justiça determinou que adolescente ficasse provisoriamente com avó materna depois de iniciação na religião.

Fernanda Bassette
07/08/2020 - Época
Foto: Edilson DantasAgência O Globo

Eram 15 horas da quinta-feira 23 de julho quando a adolescente Luana*, de 12 anos, descansava em um terreiro de candomblé em Araçatuba, no interior de São Paulo, depois de ter dedicado cerca de quatro horas de seu dia a fazer orações e danças para seu santo.
Estava deitada quando foi surpreendida por policiais armados que invadiram o centro religioso.
Eles chegaram ao local depois de receberem uma denúncia anônima de que a menina estava sendo mantida em confinamento, era alvo de maus-tratos e suposto abuso sexual.
Cinco dias depois do ritual, a garota seria retirada dos pais, ambos seguidores da religião, e sua guarda provisória seria concedida à avó materna, católica.
A decisão, de autoria do juiz Emerson Sumariva Júnior, da 3ª Vara Criminal de Araçatuba, foi lastreada em uma denúncia anônima de abuso, sem provas, e na imagem do cabelo de Luana, agora raspado em decorrência do ritual de iniciação à religião — e que seria um sinal de maus-tratos.
Luana estava reclusa no terreiro Centro Cultural Ilê Axé Egbá Araketu Odê Igbô havia sete dias, com o aval de seus pais, a manicure Kate Ana Belintani, de 41 anos, e o comerciante Washington Silva, de 48 anos, passando pelo que seria uma espécie de “batismo” no candomblé.
O processo, que é chamado de renascimento, é complexo e costuma durar de dez a 21 dias, dependendo da tradição da casa.
Os pais de Luana são simpatizantes do candomblé, frequentam o terreiro, mas não são iniciados na religião.
A avó paterna é sacerdotisa, popularmente chamada de mãe de santo.
Desde pequena, Luana frequentou o local na companhia da mãe — os pais são separados.
Em geral, não se “pede” para entrar para o candomblé.
Há o que os seguidores chamam de “convocação”. No caso de Luana, segundo o babalorixá Rogério da Silva Martins Guerra, sacerdote responsável pelo terreiro, essa convocação teria surgido diante de inúmeras queixas da menina de que teria visões e fortes dores de cabeça, nunca explicadas pelos médicos mesmo após a realização de diversos exames.
Ao ser abordada pelos policiais, Souza imediatamente negou qualquer acusação de abuso ou maus-tratos.
Luana foi questionada pela polícia e também respondeu com uma negativa, confirmando que estava no terreiro por vontade própria, realizando um tratamento espiritual.
No mesmo dia, depois de sair da delegacia, ela voltou para o terreiro para continuar seu ritual de iniciação.
Passou a noite lá, em companhia de Souza e da mãe.
A denúncia anônima e as duas incursões da polícia foram sucedidas por uma decisão judicial que, menos de uma semana depois da denúncia e da primeira batida policial, na terça-feira 28, a tirou da guarda de sua mãe.
À avó da garota, Maria de Lourdes Vanzelli, de 72 anos, foi confiada a guarda provisória.
Os pais de Luana não foram ouvidos pelo juiz nem pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, que tem a prerrogativa de acompanhar casos envolvendo menores.
“Sem mais nem menos, sem ser ouvida pelo juiz, perdi a guarda da minha filha por causa dessa denúncia de maus-tratos e confinamento, que nunca existiram. Nunca imaginei que minha família seria capaz de fazer isso”, disse Belintani, afirmando que foi alvo de preconceito religioso, por ser adepta do candomblé, enquanto sua família é católica.
*Nome fictício, por se tratar de uma menor de idade